segunda-feira, 12 de outubro de 2009

A Morte


Compendio dos ensinamentos de Don Juan Matus a Castaneda sobre a morte:

– Aquelas são as luzes na cabeça da morte. A morte as coloca assim, como um chapéu, e depois parte a galope. Aquelas são as luzes da morte a galope se aproximando de nós, aproximando-se cada vez mais.

Senti um arrepio... Mas as luzes não estavam mais lá. Disse a ele que o carro devia ter parado ou saído da estrada.

– Não. A morte nunca pára. Às vezes, apaga as luzes, só isso.

(...)

– Somente a idéia da morte torna o homem suficientemente desprendido para ser capaz de se entregar a qualquer coisa. Um homem assim, porém, não tem anseios, pois adquiriu um amor calado pela vida e por todas as coisas da vida. Sabe que a morte o acompanha e não lhe dará tempo de se agarrar a nada, de modo que ele experimenta, sem anseiar, tudo de todas as coisas.

– A morte tem dois estágios. O primeiro é o desmaio. É um estágio sem significado, muito semelhante ao primeiro efeito de mescalito, em que a gente experimenta uma leveza que nos faz sentir felizes, completos e que tudo no mundo está bem. Mas esse é apenas um estado superficial; logo desaparece e a gente entra num novo reino, um reino de dureza e poder. Esse segundo estágio é o verdadeiro encontro com mescalito. A morte é muito como isso. O primeiro estágio é o desmaio superficial. O segundo, porém, é o verdadeiro, onde a pessoa encontra a morte; é um breve momento, depois do primeiro desmaio, em que descobrimos que, de algum modo, somos nós mesmo de novo. É então que a morte se choca contra nós numa fúria muda, até dissolver nossas vidas no nada.

– A morte é nossa eterna companheira. Está sempre à nossa esquerda, à distância de um braço. Ela o estava espreitando quando você observava o falcão branco; sussurrou em seu ouvido e você sentiu o frio dela, com hoje. Ela sempre o espreitou. Sempre o fará, até o dia em que te tocar.

– Você é o menino que seguia a caça e esperou pacientemente, como a morte espera; sabe bem que a morte está à nossa esquerda, assim como você estava à esquerda do falcão branco.

– Como é que alguém pode sentir-se tão importante quando sabe que a morte está no seu encalço? O que se deve fazer quando se é impaciente – continuou ele – é virar-se para esquerda e pedir conselhos a sua morte. Você perderá uma quantidade enorme de mesquinhez se sua morte lhe fizer um gesto, ou se a vir de relance, ou se, ao menos, tiver a sensação de que sua companheira está ali, vigiando-o.

– A morte é a única conselheira sábia que possuímos. Toda vez que sentir, como sente sempre, que está tudo errado e você está preste a ser aniquilado, vire-se para sua morte e pergunte se é verdade. Ela lhe dirá que você está errado, que nada importa realmente, além do toque dela. Sua morte lhe dirá: “ainda não o toquei”.

– Num mundo em que a morte é o caçador, meu amigo, não há tempo para remorsos nem dúvidas. Só há tempo para decisões.


Trechos dos livros, Uma Estranha Realidade e Viagem a Ixtlan, escritos por Carlos Castaneda.

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